Amamentar é um ato de coragem. Queria que entendessem o quanto pode ser difícil amamentar, e estou muito longe nesse momento de discorrer sobre a dor física de uma pega errada, ou a falta de sono por amamentar de madrugada. Tô aqui agora pra falar da dor que vem de dentro, da solidão e do sentimento de invisibilidade.
Acho que passamos tanto tempo nessa tarefa exaustiva que é alimentar um ser com o seu corpo, que passamos a caminhar por ruelas escuras e vazias. Óbvio que também é muito lindo, muito valorosa essa troca de olhares entre a mãe e o bebê, o seu bebê, que você fez e que está ali sendo nutrido por você. Mas enquanto sociedade nós falhamos miseravelmente em acolher a lactante.
Muitas vezes me sinto extremamente sozinha e me vejo como o único ser responsável por manter meus bebês vivos. Mesmo que meu companheiro se responsabilize no mesmo nível, quem as alimenta sou exclusivamente eu. É uma via de mão dupla ser portadora desse poder porque não há informação o suficiente. Somos arrebanhadas por uma indústria que sobrevive da cultura do desmame, não há incentivo ou apoio para que a tarefa seja cumprida com leveza.
Eu sou uma mulher de 28 anos que foi amamentada por 1 mês. Amamento minhas gêmeas há 7 meses exclusivamente, e tive que lutar muito pra chegar aqui. Tive que estudar sobre hormônios para entender como se dá a produção de leite materno, me rodear física e virtualmente de mulheres mães que amamentam, para enfim confiar na minha potência de que sim, sou suficiente para minhas filhas. Sim, eu e você somos capazes de produzir o suficiente para alimentá-los. Não foi sorte, tivemos não uma nem duas intercorrências. O motivo pelo qual eu tenho leite não é porque “na minha família nós temos leite”, já que oferecer o seio como alimento sequer faz parte da minha cultura familiar.
O leite materno é inquestionavelmente o melhor para o desenvolvimento físico do bebê. O sugar, o contato, a conexão é o melhor para seu desenvolvimento emocional. Enquanto vemos uma indústria focada em vender mamadeiras e fórmula de maneira indiscriminada, vemos do outro lado mulheres que são engolidas pela falta de rede, insegurança e péssimas condutas profissionais. Acompanhadas, mas muitas vezes nos sentido sozinhas como nunca antes, acabamos acreditando em mitos da amamentação. Saímos da maternidade acreditando que amamentar é instintivo e natural – somos mamíferos e assim fazemos desde sempre -, mas a dura verdade é que não estamos mais acostumadas a este ato.
Chegam as fissuras, o sangue e a dor, logo vem alguém oferecer uma mamadeira. Vem o choro incessante de um bebê (o que é esperado, porque esse é o comportamento natural do recém nascido), e alguém chega dizendo que trouxe uma chupeta. Na fragilidade que representa o puerpério, disfarçado de ajuda, nos vendem um desmame silencioso. Pois é, é difícil aceitar, eu sei, mas as chupetas causam confusão de bicos e a mamadeira acrescenta ainda a confusão de fluxo.
Nós não sabemos lidar com a inquietação do bebê ou com o fato de só cessaram no peito porque estamos há décadas silenciando suas vozes nada tímidas e recém chegadas ao mundo. Acreditamos que o leite é fraco ou insuficiente porque ouvimos isso de maneira repetitiva, não só com o filho nos braços, mas muito antes, quando éramos jovens e vimos nossos primos ou irmãos nascendo. Nos falta educação sobre o assunto, políticas públicas para as lactantes e, o mais importante, aceitação e amor.
Mas é inevitável: a solidão acompanha a mãe que amamenta e a mãe que dá mamadeira. Não acredite quando te dizem que você devia oferecer a fórmula para o bebê dormir mais, pois quando ele acordar de madrugada (e ele vai, porque eles acordam por imaturidade neurológica e não apenas por fome), é você mesma quem vai levantar e esquentar esse leite. E depois é você mesma quem vai esterilizar os plásticos para seguir a rotina da próxima mamada. Você não vai descansar porque desmamou, pois ele pode ter desmamado do seio, mas não deixará de mamar. E no final, quem paga as contas são vocês, mãe e bebê.
O momento de dedicar-se exclusivamente a essa tarefa tem que ser muito bem embasado em evidências científicas, porque senão fica muito difícil seguir, é verdade. E ainda se faz necessário vestir uma armadura de argumentos para enfrentar, dia após dia, dois monstros: quem diz que você não vai conseguir e a sua própria sombra, sozinha na escuridão de um quarto, sentada segurando seu filho a sugar seu corpo, questionando sua força e sua capacidade.
Por isso, te digo, mulher mãe: você não está sozinha. A luz do abajur que acende-se todas as madrugadas na sua casa, acende-se por aqui também. Ela brilha na casa de muitas mulheres mães que lutam contra a corrente e seguem amamentando seus filhos. Esta é uma luz que aquece os corações de muitos profissionais verdadeiros e preparados para te ajudar nas intercorrências. Se você deseja amamentar, cerque-se de mulheres que amamentam, que incentivam, que te falam a verdade e que te informam.
Sigamos lutando por visibilidade e apoio! Amamentar é um trabalho cansativo, com data pra começar e sem data pra terminar. Exige de nós muita paciência, sabedoria e resiliência. O mamar é ouro, e muito custa o que muito vale.
Meu nome é Francine Lebar e este é o Da Janela do Duplex! O duplex sou eu, que gestei por nove meses duas menininhas, hoje com 7 meses – Annie no andar de baixo e Bella no andar de cima. Aqui você vai encontrar reflexões, informações e textos sobre a maternidade de maneira geral, e especificamente sobre a maternidade gemelar sob meu ponto de vista, a minha janela.
Texto: Francine Lebar. Professora BellyMamãe.
There are 7 comments
Que texto maravilhoso! Admiração imensa por essa mulher-mãe-bailarina-professora! Quanta verdade!
Fran, que presente ter seu texto no BellyMamãe. Que seu relato chegue a muitas mulheres e possam auxiliar nesse processo da amamentação. Seja bem-vinda a nossa família sempre! Já tô ansiosa para o próximo “Da Janela do Duplex”. Um xero. Li.
Amei!!! Tão verdadeiro! Não faço ideia do que é ser mãe, mas o que eu sempre ouvi ao redor.. dos meus familiares é “esse leite não tá sustentando o seu nenem” “taca fubá nessa criança, tá desnutrida” !!!!! Triste pra essas mães que ouviram isso (no caso minhas tias, primas…)e não tinham informações e nem apoio pra lidar com isso! Esse texto com certeza irá transformar muito!
É isso mesmo, amamentar exige muito estudo e determinação, é uma luta contra o sistema, e qdo conseguimos precisamos mesmo falar pra levar essas informações para mais mulheres que precisam dessa força. Sucesso
Estou de boca aberta com esse texto. Francine disse absolutamente tudo, me encontrei em cada linha que ela escreveu. Quanta clareza. Que caminho…uma verdadeira inspiração. É assim que construímos uma nova cultura mais empática com nossos bebês. É assim que uma mãe levanta a outra e seguimos juntas nessa luta. Parabéns pelo texto impecável ❤️ parabéns Bellymamãe pela iniciativa!
Eu li o texto enquanto amamentava e pensando que daqui algumas horas tenho uma consulta com outra pediatra pra tentar encontrar uma profissional que não seja mais uma das vozes que me fazem duvidar que meu corpo consegue nutrir integralmente minha bebê.
Suas palavras me nutriram hoje, acho que é isso, mães :tudo que nós tem é nós
Lindo texto, muito real. A luz do abajur que acende aí, acende aqui também ha 1 ano. Amamentar é esse ato de coragem, e também de muita solidão. Mas também é amor, conexão, aconchego. As madrugadas são longas, mas são em boa companhia.